terça-feira, 18 de agosto de 2015

para aquele que lia ruídos e ouvia silêncios
que me deu pernas, dançando-me em cima dos seus pés
que nas mãos tinha a força de erva que persiste no sertão
e no peito, toda sorte de remanso
entrega, colo e afago de rio
outro dia uma amiga me contou que
´o tempo rasga a corrente
estende
puxa
esgarça'
reafirmo o contado, aqui, nesse alinhavo,
o que anos vai tecendo na pele, no gesto da gente:
pai, você mora na covinha do meu queixo (igualzinha a sua)
no desenho do meu pé
na menina dos meus olhos
na alegria que sinto com a música
em cada parafuso que preciso e sei trocar
no movimento de desejar adiante, diferente do que foi
porque foi, é e sempre pode ser mais bonito
contigo aprendi sobre as construções (das casas)
sobre outros jeitos de contar o tempo
e sobre o muito mais simples e menor ainda.
se agora te escrevo
é porque preciso te dizer que tem algo de você que não se cansa de nascer em mim,
a cada despertar, a cada nova aposta, porque é assim é que é:
criatura querida nunca deixa de viver dentro da gente,
mesmo quando ausente em carne e matéria.
então pra você, ofereço hoje, um abraço, uma notícia, uma saudade e uma
música de um conterrâneo seu, em nome e terras.



É uma fé quase clandestina: a de um coração incrédulo, que acredita em tudo que pulsa!



Um olhar-presente na Caixa Cultural
Galeria Vladimir Lagrange - Assim Vivíamos

sábado, 11 de julho de 2015

"É o tempo da travessia: e, se não ousarmos faze-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Fernando Pessoa




(Pelos olhos de Lena Oliveira)

 — em Caxambu Mg

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Das errâncias

"Leio páginas tantas vezes lidas, mas elas são outras.
 Erro, ao ler, por vezes encontro incríveis acertos. No erro me encontro muito.
Algumas páginas são melhoradas pelo equívoco."

Na voz de Ludo, por Agualusa.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Diário de livramento | ou | Regressando





Ela me diz de cyborgs, da retina, do cosmo, do turquesa dos azuis, da caminhada do amor que se aprende no caminho, nos avessos e no corpo. Conta do sonho de vitrola, dos vendavais e frescores da alma que acolhe e inventa o convívio.
Nos passos, ela carrega o olhar, desejo solar de registrar o chão de estrelas, olhos atentos e palavras, como aprendeu na antiga canção.
Outro dia, mesmo a conversa acontecendo na sala, a prosa foi de mulheres negras na cozinha. E as cores da tarde nos segredou que casa boa é aquela onde se bebe na mesa, se come onde quer, se dança na rua e se ama na vida, amizade querida.
Palavras vividas no sonho, na pele: Tessituras do que foi desejo – e é agora livramento e beleza- engravidando o mundo, nos curando das vertigens dos tempos.
Ela chama de edição de vídeos, mas eu acho que a lembrança reinventada na artesania do hoje, é a intratável delicadeza do seu ofício. Que derrama para os olhos, instantes em que se pode demorar todos os dias, vida-a-vida. Pequena cicatriz de quem vive, marca que registra o vivido e estende o horizonte: diário de imagens.
Hoje pela sua retina cheguei  num lugar estranho, sabido-aconchego, trabalho, morada-vertical. Vista onde tudo se faz de pedra, peito e céu. E meus olhos em vez de pousar nas nuvens, percorreram encontros inteiros para que enfim eu pudesse chegar em casa. E aqui do alto do encontro, do pequeno que é ser uma, entendi que sentir é dentro da pele, mas a gente se faz mesmo é com o fora, e que o outro é o modo mais vivo de se chegar em si, em mim, corpo-morada, casa-abrigo.

É verdade, ela nunca me buscou no aceno ou nas juras de carinho, mas sempre quando distraída me encontrava no teu olhar, sem nunca me pedir nada. E juntas, sob o argumento do encontro e fotografia, giramos demoradamente do negro para o branco e nos contamos que a vida é coisa que insiste em nascer a cada instante, a cada click

E ao contrário de quem leva algo, só me deu margem e me devolveu uma coragem: a de pousar o olhar nas coisas pequenas, nas matérias passageiras, tornando-as vivas e reais, como diz-se da duração, da imagem, da palavra e dos amores.
Nessa chegada em casa, vi pelas tuas lentes - olhar que liberta -  um corredor, o verde das plantas, o reflexo na fechadura, o vermelho do vestido e na abertura da porta, meu peito entoava para eu não esquecer: A que filma e a que escreve já não são as mesmas que sairam, ressonância do que vive, do que encontra. Sonhar com o que não serve para nada, é como simplismente caminhar. Serve para nos livrarmos da anestesia do que funciona para tudo, cintilantes desejos a alongar os horizontes. E a palavra e a imagem? servem apenas pra contar os incabíveis, invenções do viver, alinhavo dos dias, tecidos dia-ria-men-te e agora, e agora, e agora, longe daqui, ou mais tarde.

 

Para ver: Diário de Imagens
Para ouvir: Junio Barreto - Noturna
Para ler: longe daqui ou mais tarde 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Vídeo-ensaio em ecologia urbana

Trabalho presentado no seminário corpocidade-UFBA/2012






Vídeo-ensaio em ecologia urbana:
políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde

Daniela Patricia dos Santos
Priscila Tamis

Apostando em uma poética-procedimento e na indissociabilidade entre os conceitos e experiências como produtores de cultura, investimos na criação de um vídeo-ensaio em ecologia urbana, que sonda as políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde.
Enquanto cartógrafas-psicólogas-pesquisadoras criamos uma metodologia que possibilita a construção de uma narrativa audiovisual e escrita, tecida de fragmentos das respectivas experiências profissionais. Do deslocamento de olhares destes corpos transitantes com outros corpos transitantes encharcados de histórias, possibilidades, afetos e transversalidades. Encontros que anunciam suas inquietações e pensamentos com a cidade a partir da produção das sonoridades urbanas; das ecologias vivíveis nos diferentes espaços; das produções de si e do outro no encontro psicoterapêutico e nos inusitados da disponibilidade vida afora; da criação literária e fantástica entre concretos, avenidas e afetos; dos roteiros, desroteiros e imagens fundados no cotidiano. Como é andar pela cidade com essa força erótica, esse apetite, essa ampliação da vontade, esses muitos e esse cansaço?
Neste caminhar, a captação de imagens se dá como desembaraçadora das linhas dos processos de criação – linhas de visibilidade, de enunciação, de força, de subjetivação. Deleuze nos conta que é preciso extrair das coisas as suas visibilidades e invisibilidades. É essa atenção que nos acompanhou, engravidando o olhar mesmo quando não havia câmera. Corpos nas ruas, câmeras na mão, dias de muito trabalho e noites de pouco sono. A partir de encontros com pessoas queridas e outras desconhecidas disparamos conversações e partilhamos ranhuras de olhares atentos para a cidade. Processos que, além ou aquém da imagem, inauguraram movimentações, co-moção, desvios, mudanças de rotas, novos desejos e reafirmações das sutilezas do vivido. Matéria-prima para produção de um discurso que se esboça a partir da experiência, redobrando-se sobre a própria fragilidade.
Corpos anônimos dançantes; passantes desconhecidos. Estação da Luz; dia do graffiti no Bixiga; discussões e afagos no buteco da praça Roosevelt; parque da Água Branca; praça Pôr-do-Sol; cafés, vinhos e jantas acalorando as produções; avenida Paulista; metrô Sé; piano e risadas em público; praça e avenida 13 de Maio; casinhas aconchegantes; Centro Cultural Vergueiro; telefonemas no meio da noite contando o que alguns tempos e espaços não possibilitaram. E a pergunta-amolação que não cala: “não existe amor em SP”?
A aprendizagem de edição de um vídeo-ensaio é a continuidade de um processo de afinação e deslocamento do olhar e da escuta, para tudo que está vivo e disposto ao sensível-disponível dos corpos no espaço. Discursos que se desfazem, imagens que se desviam e temas que se repetem, entoando a fala e o pensamento.
Cidade, risco, dificuldade, saúde, heterogêneo, subjetividades, criação, encontro, trajeto, caos, disponibilidade, vida, atenção, relação, cotidiano, corpo, parceria, conexão e cidade.
Todo o percurso técnico, cenas, relatos e imagens captados, partilhados e conectados compõem uma política da narratividade, que busca afirmar a vida e aprimorar as perguntas, antes de tentar qualquer resposta. Como contamos nossas histórias, nossas relações e produções em saúde? Como nos posicionamos em relação ao que contamos? Nossas narratividades não estão desarticuladas das políticas em jogo – políticas de saúde, políticas de pesquisa, políticas das subjetividades. Como estamos sendo provocados em nossos encontros? De que saúde falamos e qual vida afirmamos?
A produção de um vídeo-ensaio como método cartográfico diz da criação e travessia de uma linguagem complexa, de uma abertura essencial de si, desejando o desconhecido, a incerteza e dissolução do ponto de vista. Uma poética-procedimento do equilíbrio no incerto, da desnaturalização dos acontecimentos, que possibilita novas configurações e apreensões desse imenso que pode ser um corpocidade, distendendo-o, dobrando-o, amassando-o.  
A cartografia como uma inscrição provisória no tempo admite arranjos e desarranjos constantes, o não saber, a intervenção sem garantias. A captação de imagens e edição, enquanto processo cartográfico, nos convoca a percorrer os espaços de ruptura, desaprender os já estabelecidos, aguçar as sensações, atentar-se aos detalhes, abrir o corpo, tornando-o passagem das vozes do mundo. O método vai se arranjando e rearranjando no acompanhamento dos movimentos das subjetividades, das saúdes existentes e dos territórios.
Saúde que não é só cura ou ausência de doenças, mas produção e afirmação de vida e diferenças. Subjetividades que são constantemente as possibilidades de diferir-se, a invenção e criação de si, do mundo, de mundos no mundo.
Um corpo que se inscreve numa ecologia urbana dos afetos. Uma saúde que se recria enquanto conceito e possibilidade de existência viva, ultrapassando os limites dos consultórios e settings, derramando-se nas ruas, metrôs, trens, ônibus e praças. Ampliamos assim, nossas práticas e cuidados na relação com tudo o mais que atravessou nosso caminho, fazendo saúde pública a partir de relações micropolíticas com a cidade. E da força-intempestiva e delicadeza-abrigo forjadas em cada encontro, tecemos uma clínica ampliada da arte.

A abertura de inscrição para os diálogos junto ao laboratório CORPOCIDADE acerca de metodologias de apreensão de experiência da cidade se apresentou, enfim, como um convite para a criação do vídeo-ensaio em ecologia urbana e imbricações em políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde. Aqui, pensamos de maneira relacional saúde e subjetividades, através de uma tentativa cartográfica dos conceitos na vida. Ousamos esta narrativa tendo como referência as próprias práticas e as práticas e discursos de amigos e parceiros de trabalho e estudos. Este é o intento de uma narrativa dos atravessamentos, da transversalidade dos conceitos, das práticas por vezes acolhedoras, por vezes violentas: o movimento de uma abertura comunicacional.

Como nos conta o poeta João do Rio,
Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. É fatigante o exercício?



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

“O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre no meio da tristeza! Só assim, de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem.”
Guimarães Rosa.

sábado, 29 de outubro de 2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

o desajeito

Uma campanha:
Sim ao desajeito! pelo que pode haver de mais charmoso nos que abrem mão do ordinário e do sabido, em detrimento da descoberta de um modo, de um caminho, um jeito onde se caiba. Sem carão, por favor!

domingo, 23 de outubro de 2011

geografia do medo

Práticas discursivas da Geografia do Medo:
"a realidade é perigosa. A natureza traiçoeira, e a humanidade imprevisível"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

molhadoura de outubro



(...) aquela chuva perturbadoramente silenciosa (..), se não molhasse, ninguem acreditaria tratar-se de uma chuva (...). Aquilo que os aldeãos chamavam 'as chuvas de outubro' era o cúmulo da mansidão daquele viver. Os olhos quase descaiam em choro, mirando o sol subdividindo-se, ao fim da tarde (...), faz conta o astro maior se fosse derretendo todos os dias um pouquinho mais."


Ondjaki - O Assobiador
Molhadoura de outubro pelo meu olhar

domingo, 16 de outubro de 2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sobre Eu, você e todos nós

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Inventar uma Vida

Liberdade quase infinita e solidão medonha e ordinária.
E não há certeza que assegure a imprecisão da vida.
"Mas o que pode ser mais extraordinário do que inventar uma vida, ainda que com todas as limitações do existir?" Eliane Brum

E assim seguimos os dias, a inventar, entonces!

"No mundo contemporâneo, cada um é o principal responsável pelas suas escolhas, pelos seus desejos e pelas suas desistências.[...] pela liberdade de se estrepar que a modernidade nos deu[...] Não é que não exista mais chão, mas ele é pantanoso, e cada um precisa escolher diante de um emaranhado de trilhas[...]o desafio que se impõe diante de cada um é a busca da sua singularidade[...] E esta é a busca de uma vida inteira[...]esta procura leva à invenção de nós mesmos – e nunca está nada resolvido, já que sempre podemos nos reinventar. Não sem limites, mas às voltas com eles[...]Queremos garantia onde não há nenhuma, sem perceber que o imprevisível pode nos levar a um lugar mais interessante. Podemos finalmente andar por aí desencaixotados, mas na primeira oportunidade nos jogamos de cabeça numa gaveta com rótulo. Ainda que disfarçada de vanguarda.[...]Mas o que pode ser mais extraordinário do que inventar uma vida, ainda que com todas as limitações do existir?"

quinta-feira, 2 de junho de 2011

"do amor me interessa apenas o não saber, deixar o corpo fora da mente, em descomando absoluto. mulher apenas na aparência. debaixo do gesto: bicho, fera, lava". (mia couto)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

parafraseando garcia marques

E o tema insiste:
"Ninguém nasce para sempre quando uma mulher lhe dá a luz, mas nasce uma duas infinitas vezes quando a vida o obriga a parir a si mesmo." Então é assim, vamos nascendo cada segundo muitas vezes e de diferentes formas...



Helo querida, gracias pela oferenda

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A VIDA BATE

A precariedade disso que é inteiro, vivo, rebenta e nasce todo o tempo, que move os dias me comove, assim como as desimportantes coisas infimas: Uma vida 


"Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!

O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.

Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina."

Ferreira Gullar

domingo, 16 de janeiro de 2011

"Um mosaico se faz enquanto é feito. Cada finalização é um começo, cada começo um recomeço.[...] Faça-se e deixe-se fazer.[...] Nascer leva tempo."
Vitor Ramil em Satolep

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Desorientações daquele que escrevia com as asas.
Carinho pelo caminho, pelo legado, Valter!


Escrever...


Prescreve o bom senso (com o qual a academia caminha em acordo) que só devemos escrever quando temos algo a dizer (não necessariamente algo original, mas fundamentado). Que não devemos nos apressar a escrever, pois a escrita demanda uma longa preparação. Uma preparação que passa por muitos modos de organização. Primeiro, criar os sistemas de referência; encontrar os autores, os saberes, o método, o ordenador simbólico que irá funcionar como uma autorização capaz de conferir ao nosso dito uma espécie de validação, uma certificação de origem. Encontradas essas balizas, passa-se para o plano. Não aquele que, em sua imanência, constitui um território habitável, mas o que antecipa uma regra para a depositação de nossos saberes, ainda que mínimos. Desenhado o plano, que inclui o método (nem isso, basta uma metodologia, de preferência uma escolhida entre as disponíveis nos manuais...), passa-se aos esboços de escrita. Esses esboços, claro, não caminham por si mesmos, devem passar pelo clivo de um terceiro, não um qualquer leitor, mas aquele autorizado, competente para avaliar a pertinência (com todos os sistemas de referência devidamente codificados) da escrita... Essa escrita, entretanto, não me encanta, nem é essa minha experiência de escrita. Só escrevo, só concebo algo a escrever quando não tenho, ao começar, o que dizer... A escrita do bom senso, invariavelmente, me paralisa. Não tenho o que dizer quando o que me convoca está nas alturas. Quando, o que me convoca, são as alturas.
Gosto de pensar que, ao escrever, nem sempre sabemos bem o que estamos fazendo ou dizendo. Há sempre um texto que se escreve ali onde algo escrevemos... Pois há (é necessário que) uma certa inocência na escrita, principalmente naquela que se faz fora das regras formais do bem-dizer acadêmico. É, aliás, essa inocência que confere ao texto um certo frescor, uma certa alegria, um certo inacabamento necessário para que ele se sustente. Um incitamento. Uma potência... Nada mais triste que um texto professoral, de alguém "que sabe" e se coloca na posição de expor seu saber a "quem não sabe". Textos dados de antemão...
Gosto desses textos que avançam sobre suas próprias incertezas, que fazem de seu inacabamento a possibilidade de continuarem. Eles são um modo de persistência... persistem em si mesmos, fazem-se lampejos, caminham intempestivos, arrastando tudo o que encontram pelo caminho, os portos, os sentidos, os nortes, prenhes de seu próprio excesso. Um excesso que é sua velocidade, sua parada repentina, sua alteração de ritmo. Pois tudo o que temos é isso, tempos, velocidades, afetos... Gosto desses textos que não se dão facilmente à compreensão, mas que entretanto ali estão, abertos, disponíveis a um leitor com o qual se construírem... Gosto desses textos nos quais tropeçamos, que nos fazem claudicar junto com eles, textos nos quais nos perdemos... ao mesmo tempo em que nos puxam, nos arrastam, nos impedem a parada, nos devolvem à deriva a cada vez que supomos ter conseguido uma ancoragem.
Quando leio, penso que não devo perguntar: "o que o autor quer dizer", pois estou já na imanência do dito, dos fluxos que arrastam as palavras, as frases, os sentidos. Estou na música, e se encontro uma paisagem, desejo que seja dessas que se desenham para rapidamente se dissolverem em outras paisagens. Esses são os textos com potência de me mover, de me pôr em movimento com eles...
Gosto desses textos que me convidam a inventar meus caminhos, textos que multiplicam meus próprios dizeres, minha própria escrita. É neles que encontro o que pensar, é com eles que meu corpo é forçado a pensar...

http://letrasrizomaticas.blogspot.com/search?q=escrever

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Presente: pela pele, pelos olhos

Mira estes olhos azuis, doces que nem nuvem de algodão, dizendo calmamente “- abre o peito”.

Eis o desejo, em pena, pele. Suspende o desejo no tempo do agora. E agora, e agora, e agora. Para que a vida se alimente de infinito, em cada canto dos olhos azuis destes livramentos… descortinando e tecendo a trama...



Trecho de presente ofertado pela que sente pela pele e pelos olhos

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Congênito ou Silêncio?

"Se a gente falasse menos
Talvez compreendesse mais"

quinta-feira, 22 de abril de 2010

desaforismos

Nos menores frascos estão os maiores barracos

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Camille Dalmais

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Na relação do corpo com o vazio[...] vai emergir [...]: o lugar.
Na relação do corpo com o tempo[...] vai emergir[...]: o acontecimento.

Luiz Antônio Fulganti

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

guardei

Ela me deu um caderno aspiral, pequeno e desimportante e disse:
"escreva no lugar mais bagaceira, pra não ter vergonha da palavra"

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Lugar


Era então o mundo
dentro das pequenas bolas verdes

Eram as idades
todas despecando
uma depois da outra
memórias bagunçando os tempos
magenta e planos
e depois horizontes e amarelo
pedaços de vida vindo e indo outra vez.

Desavisada
destranquei a porta daquele pesar
(o mais difícil de partir, porque era de alta estima).
Depois disso o olhar se afogou
e não me recordo direito
a voz era mais doce
e a carne macia de novo.

Havia uma marca que não era buraco
tinha lastro
mas não era reio
era vazio
mas todo pleno.

A última volta da chave denunciava
olho
e corpo não é mais o mesmo!

Eu vi mesmo esse retrato...
só não sei se foi dentro ou fora da pele
.


É isso que faz um lugar: o chegar e o partir
.*


Retrato do meu último olhar.
*Mia Couto em Antes de Nascer o Mundo

sábado, 16 de janeiro de 2010

pérola

Dobras e delicadezas: quando o capricho toma vida própria




Lisa Hannigan - Lille


domingo, 10 de janeiro de 2010

Última vista - pelo olhar dela





Ferida Aberta no/pelo olhar da que sente com os olhos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Trovoa



Trovoa - Maurício Pereira

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

De algumas paixões

"Quando a aparecida lhe tocou no braço e ela a fitou, um frio o golpeou: a moça não tinha olhos. No lugar das órbitas. o que se vislumbrava eram dois vazios, dois poços sem paredes nem fundo.
- O que aconteceu com com seus olhos?
- O que têm os meus olhos?
- Bom, não os vejo.
Ela sorriu, espantada com o embaraço dele. Que ele devia estar nervoso, incapaz de acertar as visões.
- Os olhos de quem se ama nunca se vêem.
- Entendo - Afirmou Ntunzi, recuando às mil cautelas.
- Tem medo de mim, Ntunzito?

Mais um passo atrás e Ntunzi se desamparou num abismo e ainda hoje ele está tombando, tombando, tombando. Para o meu irmão o ensinamento era claro. A cegueira é o destino de quem se deixa tomar de assalto pela paixão: deixamos de ver quem amamos. Em vez disso, o apaixonado fita o abismo de si mesmo."

Mwanito por Mia Couto em Antes de Nasce o Mundo

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

New Soul

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O rosto é obsceno

Nelson Rodrigues disse certa vez: "Só o rosto é obsceno. Do pescoço para baixo, podíamos andar nus". Nunca essa frase caiu tão bem quanto no caso da estudante Geisy Arruda, agredida por seus colegas da universidade paulista Uniban por usar um vestido curto, expulsa pelos diretores e, diante da grita universal contra a escola, readmitida por estes.
Para Nelson, a obscenidade não estaria no naco de perna da menina, mas no rosto de seus algozes. Ele se perguntaria se, ao passar a mão na cara, os diretores não sentiriam "a própria hediondez". E tão imoral quanto a expulsão é o "perdão".
A readmissão de Geisy não cancela a violência e as humilhações. Só se deu porque a Uniban -bombardeada pelo MEC, o MP, o Congresso, a Secretaria de Mulheres, a ABI, a OAB, a UNE, a imprensa e inúmeros pais e mães com filhos em idade universitária - viu futuras matrículas batendo asas aos milhares. Invejável prepotência a desses diretores, que não previram tal reação. No plano internacional, a Uniban e o Brasil são motivo de chacota. Que país é este, famoso por suas mulheres quase nuas nas praias, nos cartões postais e nos comerciais de TV, que não admite um vestido pouco mais curto que o de Julie Andrews em "A Noviça Rebelde"?
Roga-se endereçar a questão aos 700 agressores de Geisy. Mesmo que ela possa voltar à escola para completar o ano, os brutos continuam por lá, com seu moralismo rançoso, sua coragem em multidão e, quem sabe, prontos para uma nova "reação coletiva de defesa do ambiente escolar".
Belo ambiente. A Uniban, quarta maior universidade do Brasil em matrículas, está em 159º lugar entre 175 avaliadas. Ou seja, é a 16ª pior do país. Isso diz mais sobre o lamentável estado da educação entre nós do que cinco centímetros de perna de fora

Fonte: Folha de S. Paulo, 11.XI.09 - Por Ruy de Castro

domingo, 8 de novembro de 2009

Fragmento


... nunca tive heróis para amar só por virtude... meu amor foi se fazendo assim, meio roto quando doce, amando as qualidades, as lacunas do outro, os encontros, as diferenças, meus ardis de desentendimento, o desejo do longo, a decadência do fulgaz, dizer adeus e ainda sim amar, errar e ainda sim ser amada... o gozo de poder ser, inventando a liberdade disso que pode ser amor...

Pedaço de uma carta pra ninguém - julho 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Por um corpo que nos caiba

"Um corpo tornado passagem é, ele mesmo tempo e espaço dilatados. O presente é substituído pela presença. A duração e o instante coexistem. Cada gesto expresso por este corpo tem pouca importância “em si”. O que conta é o que se passa entre os gestos, o que liga um gesto a outro e, ainda, um corpo a outro."

Denise Sant'Anna em Corpos de Passagem

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Dicionário do Desejo | Liberdade


travessia - o imponderável de cada momento (horizonte)
vinco - ruga sutil onde guardo meus brinquedos (dizem das meninas dos meus olhos)
dor - violência de água e sal que lava o que não fica (tempo de respiro)
cavas - onde a criança me abraça, frágil, amiga e livre (balanço que dilata)
olhos - morada da mulher (registro do mundo)
mar - verde onde quaro as dores e pouso o olhar (regador de alegrias em mim)
pipa - meninices ao sabor do vento (vontade de dança empinada no ar)
asas - nascedouro das idades (plena em seu tamanho)

na pele - poros e costume de arrepios (fruto desacostumado daquilo que toca)

nos passos - pés tocando o vento (aprendizagem do que voa)

na areia - massageio meus sonhos (saudades do que vem)

no peito - poesia fazendo-se em asas vindas (caminho do que anda)

no desconhecido - a vida se fazendo num sopro (dolorido)

na palavra - silêncio sufocado (agudo que viola e faz nascer)

no lampejo - susto com o esboço nascente (fincado na vontade)


lugar - leito preciso no peito da gente (sentido)
amor - bicho barulhento que dói, move e é bonito
mulher - um jeito da vida acontecer (e-terno e forte, mesmo no miúdo)
acaso - tempo assintoso que insiste em bater
escolha - destino do que é vivo (ciranda)
vontade - dizem do começo do corpo

acercada dos meus não me arranco mais de mim, atravesso nossos corpos, delatando meu deserto, que seja, horizonte, quedado, travesso, fincado, roto e até dolorido, porque seu vazio é pleno, fundo, liso, sinuoso e cheio de gente. vida no corpo é coisa desanunciada, cruel, necessária, bonita e imprecisa. aqui caminho pelo desfiladeiro, conquistando cada gota que me vara, quente, frágil, forte e frágil de novo. salto novamente só que agora grave, estreita e sem urgência. tem um pedaço de corpo, acaso, calma e pele, pulso entre a palavra e o silêncio, (hi)ato quando acontecido. e que o also deste vôo seja lugar, amor, mulher, acaso, escolha, vontade, antes e depois, tudo matéria, obstinadamente viva.

Não sei onde li ou se pari agora um silêncio assim: Liberdade é nome de pássaro difícil!


Vôo flagrado e postado em Ferida Aberta

domingo, 16 de agosto de 2009

Locked in a room

Corpo, bagagem, limpa, molhada, histórias começando trancadas na sala de nascer.

Locked within a room of memory
Locked within a room you stand
Locked up away with no light of day
Locked in a room you begin
To find your way out
You find your way in
Locked in a room with your memory far


Oren Lavie - The Oposite Side Of The Sea

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tempo

O tempo que conta
A conta do tempo
O que o tempo conta
Tempo: testemunho de criação





Arte de Mihai Criste

terça-feira, 30 de junho de 2009

Para me sentir

Multipliquei-me para me sentir.
Para me sentir,
precisei sentir tudo.
Transbordei,
não fiz senão extravasar-me.
Despi-me,
entreguei-me.
E há em cada canto
da minha alma
um altar
a um deus diferente.
Fernando Pessoa

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Pelo caminho - Epifania Urbana

Para ser mais cidade do que vigas colunas e concreto



Pela janela da morada

Avenida Paulista, 23ºandar
Março 2009

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Alquimia dos postos

"os opostos se distraem... os dispostos se atraem"


O Teatro Mágico


Cidades do meu corpo

Tem coisas é que começam pelo meio, desembarcando sem prontidão mesmo. Como a zanga destes que desentendem as oficialidades de existir e insistem no tempo. Primeiro aquele braço destendido em meio a vala. Os gritos ancestrais tentando desdoer, sem nem ter aprendido a confiar. O homem que na sala soluçava como quem devolvia ao mundo o amparo de um abraço ofertado. O respiro do rosto pequeno tentando sustentação, pés e danças depois das asas. O desnudo desenho do sulco no caminho da perna, contando das violentas derivas e ausência de terras. O embargo no estômago diante da larva denunciando a insuportabilidade do meu também nascer. Depois a tempestade que tragou a raiz da guia e escarrou a árvore na avenida, zombando da urgente ânsia humana... tantos fins desistidos sem trajetos. Uma vontade se repete e quem me bate é a vida: desejo de acreditar na orquestra dos afetos, da melodia que se abraça no elo, no tempo. O orgulho secretando o intenso, a presença desertando o olhar e a pergunta que não cala: o que tem-se feito?

Há qualquer coisa de movimento no sutil e uma delicadeza e tanto numa violência que não pára de mexer dentro da gente. Algo clamante de encontro, encorpando, passeando, ventre prenhe que gesta miríades de tempos, afã desiludido que ainda chupa a sobra do gargalo da noite; abraços ainda nem vindos; um galope sem cavalo destino ou destinatário; já não é um amor, uma falta, é como um trote desamparado que deseja não falecer, que se busca algo de morto é só pra sentir a contextura de querência, ódio e outros avessos do humano.

Frequentam-se esquinas onde servem cevada com ou sem poeira, onde dizem não saber, porque é charmoso uma liberdade que finge que vai, enquanto não se afirma, acreditando que o fundo já volta. Já não se faz contato em nome da preservação da própria espécie e do umbigo, pois autonomia já é quase verbo ditador nos manuais de ser. Há também das alegrias fáceis e baratas tingidas de buracos e brincos na carne do asfalto, cabelos irregulares, tatuagens na pele - feridas de guerra contemporânea trajada de radicalidade.

Ouço de dores, nomes sofisticados para porosidade ausente, escamas intumescidas e couraças ressecando a epiderme. Parece também haver no corpo uma pressa, medo secretado na paragem, travestido de coragem blindada, quarto que anestesia, varandas de portas amordaçadas e salas de não estar, casa que decoramos e não nos aventuramos a entrar, porque nela pode ter algo de umidade, de vidro estilhaçável, contado do elo macio e necessário que também se rompe, arrancando telhados.

Vendem-se felicidade em cápsulas e abortam-se amores, já que Fim é o destino de toda transitoriedade. Uma decisão corajosa e salvadora de antemão, palatável-preguiça-aceitável que evitam as dores e cicatrizes do depois. Poupar o corpo agora para não ter que distender o movimento da perna e derrepente, mesmo ele sendo maior do que o suposto, constatar que não é o suficiente, pois não há salvação para verves e carnes. Tem-se disfarçado interrupções sob o argumento de multiplicidade de oferta, fraqueza de corpos e imprevisibilidade do acaso. Esgarçado tramas inférteis noticiadas sob o nome de memória, tolerância, carma infinito, paciência e asas machucadas.

Conversamos de amenidades para indiferenciar o assombro do que pode ser complexo, que largo é aquilo que alegra, escandaliza, mostra o frágil, força nascente. Complicamos as falas e inventamos demasiados excedentes para não pronunciar o mais temido do amor: sua precisão de acontecer!

Uma perna firmando um passo, depois o outro, uns adiante e já não somos mais os mesmos - alguma rua já nos atravessou. Falamos da academia pra não dizer do desasssossego do que não sabemos; da cidade pra não desvelar a inabilidade de tecer um convívio. Afastamos-nos em silêncio para que uma das vozes não denuncie um pedaço de aposta não quer partir. A gente briga pra ver se convence que vai sentir menos falta, porque afinal se a briga ameniza a saudade, diminui o amor. Antecipamos a despedida pra inventar que não foi, fundando o eternamente inviável.
Falamos de inteligentes ciências pra não vincularmos o que é sangue; da dureza do asfalto pra não lembrar que mesmo as árvores precisam do calor, da terra aninhando a semente na fecundação dos possíveis. Desqualificamos a desmesura do outro, pra e recusar que estivemos, escondendo que amar é o destino das coisas vivas. Uns dizem de fraqueza, outros de ausência de prontidão... Algum sabor de vaidade a espera por alguém que nos escolha, enquanto nos resguardamos pra não vazarmos do outro, em nós - descuidos arreganhado do que sobra, prosseguido na distância, é como morrer de fome no meio do banquete.

No meio de tudo que se parte, há algo de só que não caminha desacompanhada - abraços inteiros. O corpo agora acolhe o quase-tudo, amando as lacunas, os ardis, os vazios, dores e estrelas. Convido alguns poucos amigos, Cazuza, sinais, planos, vinho e (in)ventos. Os outonos são os mais tímidos por aqui, passo a fumar e ver, porque com os fins de tarde magenta também se abisma. Há uma pele que se torce fora, mas se refaz é dentro mesmo. Algo de quieto, violento e silencioso, que contabiliza as palavras pra não economizar no intenso, uma vontade espessa e gasoza que rasga onde não cabe, invenção de veias pra não intumescer o afeto largo.

Um imenso de invisibilidades transvasando o suor da mão, respira fundo, trêmulo, que segue-indo. Um jeito querendo lacear as tramas sem esgarçar o infecundo, deixando o sensível jorrar no colo, pass(e)ar nas horas, correr no espaço, lançar-se no tempo, apostando na curva - alinhavo do que vai -tessitura do que volta.

O que fica? E os "por quês"? talvez o dia de alguma idade traz ou não, já não se trata da desimportância do fortuito, é que agora uma outra já faz morada, é a que escreve, a que imberna gestando cios, a menina que chora acalantando vontades, mulher pequena que nasce de estreitas ancas, esperanças paridas de mútiplas maternidades, danças acabrinhadas comprando lírios na noite, tragando a nascente do vento, desdobrando o desamparo, desvio da história; víceras odiando o orgulho que apequena os possíveis, subtextos de não estar, avessando o olhar em luaridades que se embreagam inteiras antes de chegar em casa. Não são mais pontes, barreiras ou paredes, agora é o legado desejado em outras horas: alma toda nua, travessias de pessoas, ruas e avenidas se fazendo esquinas na cidade do meu corpo.

vinte e oito

Sol em vênus, corpo ainda descabido nos tempos que anuncia a ascendência em libra, destempero dos ventos, foi uma idade anunciando a fresca juventude.

Sempre gostei de ouvir a música das tantas páginas de um livro viradas ao mesmo tempo numa sala. Leitura junta de um pedaço da história. Diferentes corpos ocupando alguma hora, dedos em cima de um mesmo número. Um coro de respiro compartilhando o mundo.

É esquisito pensar que um amor, uma vida se nasce também assim. Instantes de encontro que não é mistura: um enorme, dolorido, vívido, que se arranca de si, partilha do mais, e sem delongas ou promessas, acontece.

Diziam que só uma vida poderia vingar bacia e clavícola fraturadas. Ele queria um fruto, árvore-semente, menina a contar do seco e doce do sertão, vontade de insistir. Mariana ou Jonas eram as possibilidades que atravessavam as belezas do nome. Verde e azul eram os panos de aguardar o que ainda viria em poros, cacos, forças e alambrados.

É em carne estreita que desço engasgando, escorrego e páro, já querendo atrasar, esticar os tempos, corte no ventre de quase quarenta semanas, descolagem de pulmões, violenta passagem ao frio da obstetrícia anunciando das densas travessias do fora.

Daniela Patricia nasci, sem combinados ou previdência, maré sem previsão, florência ausente de temporada, combinações fora de regra pra alegria farta do leite. Passo engendrando invisibilidades, pedindo que não me olhem, pois um jeito de ver pode restituir de uma vida por todas.

Uma inclinação a sonho, desvios pro onírico, noites sem sono, berço de angústias, braço que nasce é no carinho, sorrisos apequeando os olhos pra não miserar o vivo, colo de jorragens, peles se refazendo vida a vida, peito que escorre aos muitos nas paragens do trajeto. Ai... como a gente se faz é no caminho do que é (des) encontro. Dançava com os ausentes irmãos. Chorava só o desentendimento das horas, daquelas que não cabem nas contagens; e os amigos? parteiros de frágeis asas humanas, cirandas antecipando os mistérios de ser.

Por poucos me criei multidões de alguns, solidões de vasto descabimento. Corpo de mulher no ventre de criança. Menina emulherescendo sem aflorar em fibras. Desfiar as horas além dos sabidos projetos me fez carne, janelas, colo, abraço aflito, varanda no poente, seios crescidos no gosto do silêncio, ventre alimentado tragando o véu da noite. Enquanto lembro do piano canto e invento: "vai o bicho homem fruto da semente.... (memória)...renascer da própria força, própria luz e fé... entender que tudo é nosso e sempre esteve em nós... (história).... somos a semente, ato, mente, voz... (magia)... "

Dos vinte e oito sem perceber me contaram hoje, idade importante pros astros. No embargo do desgosto nem brindei escorpião. É que tem nascênças que principia na dor mesmo, algo se aparta pro novo então parir.

Ele morreu cheio de orgulhos nascentes, um durante o outro, primeiro os passos, palavras golfadas aos tropeços, depois os estudos, que me faria independente e feliz no amor; alguma aposta fortuita no que se pode ser retomava a confiança no elo, na vida. Ela ainda nos cria, com gosto de jardineira enrubrecida, pele macia e benção na despedida, exata medida do excesso no sabor do fruto, de sempre amar tudo que pode.

Tem aqui uma menina que assombra no invisível da noite; que morre aos pedaços no duro do que é impermeável; que se arrebata com o frescor daquilo que é agora, silêncio da manhã; tem um susto com o grave da voz, do que hora se chama de amor partido, interrompido sem ter aprendido a liberdade.

Depois de me intranquilizar com o tremor dos vivos afetos, violência sentida, tripidando as cadeiras ela me ofereceu o regaço do pequeno, imenso corpo à nascente-olhos-de-sal. Viver é de se fazer aos muitos.

Ainda não tinha afirmado aqui que aos vinte e oito também se nasce. Da cena ficou estampada a ternura na camisa do teu peito, marca de duas pálpebebras amparadas no desassossego do que é vida emparceirada. Pensava que reticências era só o inconcluso do que não se sabe dizer, arrasto do provisório; nisso um outro se inventa: são três pontos finais que se (re)afirmam na escrita do encontro. Só do fim se cria o novo! juventudes são idades morridas pras mais novas se aninharem. Violento aconchego este de saber que nada se segue só.

Agradeço pequena, sem pedidos, como quem vira a tal página, suspiro grande de quem sente o mundo junto. Gosto deste tom alegre de flor, legado que é pele, errância do que é corpo na deriva das apostas. Surdino desejo de que possamos; afinal o que muda o destino senão um encontro - afirmação de algumas escolhas? Avessos estendem-me das mãos aos medos, abandonos prosseguidos de cuidado, dizendo e acolhendo assim: viver também é maré forte, densa, grande, comprida, navegável, possível somente no enlace.
Essa idade me passou como travessias de silêncio - vinte e oito carrega em si um mar de tempos, presenças, todos os acordes e possibilidades de melodias. Quieta me escapam quatro palavras: Gracias a la vida!
09/05/2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O ministério da poesia e da parceria adverte aos umbigos desavisados ou esquecidos: Solidão não é coisa de se fazer só, há de haver pelo menos mais um, nem que seja
ausente!


"a solidão é uma solução muito sozinha
a solidão não é uma
solução só minha
a solidão não é sozinha".

Viviane Mosè, oferendado por Lucélia. Gracias queridas!

sábado, 16 de maio de 2009

Da gravidez para o que vem

Inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda que gira por si mesma, um movimetno inicial, um sagrado dizer "sim"(...) para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado "sim"; o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para o mundo conquista o seu mundo.
Assim Falou Zaratustra no livro para todos e para ninguém

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Faceta Taurina de Vênus:

[...]
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos
domine?
Minha resposta? O amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.
[...]
A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor e não podemos castrá-lo.
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.

Vênus - Paulinho Moska

terça-feira, 5 de maio de 2009

Ética das víceras

Não separo meu pensamento da minha vida.
Refaço em cada uma das vibrações de minha língua
todos os caminhos do meu pensamento em minha carne.

O Pesa-Nervos, Artaud

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Desatando o nós, colarinhos do peito:

Ajuda-me a desapertar os botões.
O meu corpo é o único vestuário que poderei talvez usar


Helph me whit the buttons, Siv Cedering

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sonho procura um Terreiro

Sempre gostei de dizer que meu pai se chama Luiz Gonzaga, caboclo, mestre de obras e que tudo isso era legado do meu avô Antônio, serralheiro, negro, ambos nascidos em chão árido, seco, de cabra macho, onde quem não é poeta, nem homem é. De orelhada descobri que ele assim o registrou, de peixeira na cintura, com o nome em homenagem ao compositor das mesmas veredas, afirmando que já havia batido muitas esporas pros seus cavalos.

Parceria insólita com a minha mãe, de nome religioso, Maria Aparecida, galega, de lendas mau contadas e fugidas de um pedaço Judeu da Alemanha para o interior de São Paulo. Por muito tempo a ouvi falar de suas venturas religiosas na busca da cura pra vida dura. Lembro que uma vez, em um daqueles comuns adoecimentos da infância, até em uma benzedeira de Terreiro ela me levou, era uma senhora negra, que dizia coisas estranhas e me segurava pelos pés, pra desvirar o bucho e no dia seguinte, depois de algum suador, nem vestígios de febre ou dor. O curioso é que nestes des-caminhos da vida recentemente, ao acaso, reencontrei este terreiro e com a infante memória, que durante algum período havia uma precária tenda circense em terras vizinhas, onde se fundou meu gosto pela alegria do picadeiro.

Desde a infância ouvia a boca miuda boatos de que meu pai havia sido pai de santo e tenho vagas lembranças do tal terreiro, que nunca sei se inventadas nas funduras do meu desconhecimento. Uma vida toda, sempre que pergunto, se repete um belisco e uma voz travada no canto da boca, daquelas que repreendem os devidos sigilos, como se deve fazer, dizendo que isso não é coisa que preste de se falar, pois botou nossas vidas em desgraça plena, e assim fiquei sem saber.

Anos passados até pra Bahia eu fui, buscar alguém que pudesse recontar minha negritude nublada, olhos e cabelos que velam nariz e bocas anscestrais. Bahia, chão onde aprendi alguma ginga da alegria, dança bonita, triste, livre a custo de muito sangue rola(n)do no Pelô, no tabuleiro entre o acarajé das baianas. Lá me apresentaram Mãe Detinha, senhora antiga, de cabelos grisalhos, roupa branca, olhos encobertos pelo tanto tempo, voz mansa que anunciava que não seria possível colocar os "buzo", porque em semana de festa de orixás, as obrigações são outras. Desejando fazer valer minha visita, contou-me sobre Iroco (orixá do tempo), história-universo com interpretações polêmicas entre os que ouviram, despediu-se, falando-me ao pé do ouvido, em segredo: "Fia, cê sabe o que precisa para retomar tua vida".

Quando as coisas do peito apertam a alma me abrigo na ternura e aposta - lembrança dos negros olhos. Pois bem, no ritmo do aconchego, mãe Detinha habitou um sono meu, pra não me fazer dormir. Sonhei que ela então, finalmente colocava os "buzo", um deles me trouxe cabalhota no estômago, estava virado, quase tombado e como quem gosta do desvio, foi sobre ele que perguntei. Era conversa entre mulheres negras a que procedia. Enquanto lembro, cantarolando, converso escrevendo: "Afrequetê, eu vim te ver e sem querer mergulhei fundo... Xangô já cansou de lhe dizer que teu calor é quem faz teu mundo".
Cuidando de qualquer minha pre-ocupação sinalizava que eu não me assustasse ou amaldiçoasse o jeito das coisas reverssas, aquelas que desentendo, porque vida é paisagem larga mesmo, lugar de se ter isso no meio de tudo; com os avessos e diversos diante dos olhos aprendemos a contemplar, se embeber, a convidar a coragem e apostar no que os poros ainda desconhecem, também porção de nós a se reinventar no tempo, abismando-nos em nossos delicados corpos. Cerrou a prosa-leitura assim: e se renunciamos ao desconhecido por medo, nunca viveremos algumas necessárias distâncias dos amores, próximas paixões, profundos (des)afetos, o que a vida tráz pra gente, o outro fica aguado para o nosso gosto, a escuta fica cocha, o desgosto se aproxima e o mau gosto nos toma.

Assustada com o desatino do sono, o interrompi acordando, tem vertigens que só são possíveis a conta-gotas, aos poucos, um tanto por noite. Tateava meu nariz, minha boca, a maçã do rosto, pedaços anscestrais de mim que conseguia acessar na madrugada. Percebi uma antiga sensação, presente como primeira: um tanto de Oxum, Iemanjá, Iansã, Xangô, Cabocla e outros desconhecidos guerreiros me amparando no breu, naquela noite e em toda vida, quando me despi das religiões, cavucando forças pra nunca mais evocar o Deus; nas cisões amorosas onde a raiva coabitava estranhamente com a ternura; nas quebras de pensamentos e práticas cotidianas, neste fio de loucura e vida... cada um me acolhendo por vez, ou todos juntos.

A vida é tão bonita que estranha, ela independe do meu entendimento para continuar a acontecer. Ultimamente estava assim, só sentindo que bons temperos, banhos, ervas, lavanda e velas curavam um bocado do corpo esfolado, da alma cansada, lavando as palavras, impasses, curando os medos, os pesares. Conchas de boa água além de matar a sede conta dos tempos de encontrar, que vai, vem, nasce, suja, se lava, passa e é passado, como as águas do São Francisco.

Essa noite me vesti inteira de todos os mistérios roubados ao longo da vida, aqueles que contei lá em cima, os que ainda desconheço. Sou mulher de fronteira, branca, negra, mestiça, cigana, clandestina. Agora já é olhos de amanhecer, passagem dos tempos, e descobri que nestas linhas onde me (a)risco me refaço, este híbrido sem nome é meu remanso, atracada, derivando, assim aprendi a rir, a brigar, a gozar, a acompanhar o que é tímido respiro, inclusive esta solidão primeira de história recusada, desta falta de identidade ou lugar, corpo também é território de nascer, marca sagrada de existir. Parece que é entre fendas que se inventa, se sonha, se vive e se ama. Sonho procura um terreiro-picadeiro pra dançar estas velhas-novas porções, descobertas se inventando, amanhecidas e acolhidas no tempo em mim.
22/02/09