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"Sou como a palavra: minha grandeza é onde nunca toquei." Mia Couto
Os sorrisos sempre me pareceram mais graves de atenção que as lágrimas. Os encontros me chamam mais que os nomes. As des-importâncias me desempoeiram o dia-a-dia e boas piadas me entortam o cotidiano. As chuvas me lavam por dentro, tanto quanto o mar. Fui concebida em mares capichaba, nasci na segunda maior cidade do mundo, adoro o aconchego do sul, a malemolência baiana, os carinhos latinos,...mestiça, cigana e clandestina assim, des-aprendi o tempo paulistano. Dizem os médicos que até para nascer eu me atrasei. Não me acostumei com o meu tempo-roto, as vezes ele é ávido, guloso de existir, preciso viver senão me esqueço, outras atravesso idades inteiras para enfim chegar no mo(vi)mento. Em algumas temporadas nasço muitas vezes, o ano é teso, a cada nascimento uma vontade cumprida, uma espera de vida inteira. Disseram que eu era filha de Iemanjá, gosto de Iansã, mas ainda não descobri qual é meu orixá. Meus olhos se apequenam quando me escapa o riso. Nunca me arrependi de um banho tomado e adoro fazê-los no escuro. Descobri o que é ter asas recentemente, por isso tenho mais medo do chão do que de não poder voar. Prefiro as letras de uma palavra, um corpo tecendo gesstos do que um telefonema. Tenho um monte de amigas com nomes iguais ao meu. Aliás adoro descobrir palavras novas e repentes-trava-língua. Na literatura sou mulher de malandro, adoro a ternura, mas prefiro as que não tem dó de mim. Preciso de brisa fresca, aconchego, e silêncio para amanhecer. Minha vida se confunde com a minha literatura, meu ritmo com a filosofia e a poesia com a minha dança. Contato entre corpos me roubam suspiros e quando começo dançar esqueço que não sei fazê-lo. Meu corpo as vezes se desalinha, danço com os lábios, escrevo com pernas e aplaudo com pálpebras; deitada gostaria de braços destacáveis e sem graça sobram-me os dedos. Considero perfeita a parceria entre bocas e mãos, grãos e gelados. Tenho também uma amiga chamada Zimba e bichinhos-crianças, de grandes pés, sorriso franco, que me levam ao circo e atendem por sobrinhos. Quando toco alguma coisa, ela tende a mudar de lugar, este antigo hábito me fez devota de Sanlonguinho. Já tentei algumas vezes, mas ainda não aprendi a me despedir. Gosto de côcegas nos vãos do corpo, de beijo nos olhos, Algo no meu riso geme no entre, da saliva aos dentes; tem também um mistério, jeito do brilho nos olhos que me faz jorrar o corpo e neste tom, cavalgo eternidades inteiras. Tropeço mesmo no que não faz volume no chão e no verbo também. Faço amigos no transporte público e sempre torço para encontrar alguém conhecido nas galerias do metrô. Minha mãe tem nome de virgem e meu pai de compositor. Prefiro as paixões de sabor alegre; uma comida pobre, sem cuidado, desgostosa me entristesse, como as soberbas coisas fundas. Quero fazer uma horta de temperos e um curso de culinária indiana, tenho um punhado de flores e uma espada de São Jorge na entrada da casa. Um corpo estendido ao meu num abraço me curou quase todas as dores de uma vida, algumas canções também. Ando descobrindo que respirar pró-fundamente é o melhor exercício, além de manter viva. Acho que intensidade é redundante em encontros de verdade e cuidado é o melhor investimento no que há vivo. Gargalho com piadas tolas e todos os músculos do meu rosto também. Gosto de namorado, daqueles que dilatam os poros, colo-morada, de ternura inclinada pra invenções, força-delicada na brabeza e ousadia no afeto-abismo, porque afinal, de amor também se nasce e nascer é coisa forte que arrebenta na'gente. As bobices da vida me despertam mais do que os grandes eventos, presença inteira já é um efeito especial. Tem também a grama, o sal e o sol que abraçam o meu corpo, aconchegando as cavidades. E um medo da solidão no frio, de morrer sem uma mão segurando a minha. Não há um bom sorvete de chocolate que não me amoleça a tristeza toda. Sou mais estabanada do que minha estatura anuncia. Meu choro não é pouco e meu corpo todo vibra e lacrimeja por horas, por isso quero um cachorro chamado Patê me lambendo o sal molhado. Adoro me apaixonar, mas tenho medo de vertigens. Confesso, também já dancei Kaoma. Me tomam de assalto as epifanias urbanas e ainda acho que encontrar vagalumes e joaninhas é sinal de sorte, para além do encantamento. Há farelos de dor, errãncia e passado por aqui. Viver as vezes me cansa, pausa interrompida quando vejo tanta gente se querendo. Gosto de encontrar pessoas tocando violino nas calçadas, recitando poesia no quintal, cumprimentando o vizinho na padaria, flores pregadas nos montes e neblina misteriando a serra. Emulhereci sem perceber, tem dias que estranho as cascas que nasceram na maciez da menina, de tempos em tempos parece que percebo o que é ser adulta, e é sempre o mesmo susto, porque logo esqueço de novo. As coisas me doém de alegria quando vivas e me anoitecem quando tenras. Das viagens, gosto das longas, com pessoas e paisagens desconhecidas, mas embarco até nas do sofá e acho que há um único lugar onde somos melhor do que alguém: na fantasia mesmo, porque no mais, quase todos desejam uma vida mais encontrada.
Quando revisitei estas palavras fiquei pensando que toda apresentação é uma fraude, contudo honesta, um jeito de se derramar, desfazer-se... contar-se nos tempos é narrar, forjar uma existência que nos caiba.
Aliás, nunca escrevi por aqui, talvez porque nome não tenha dono ou endereço,;de qualquer modo, cumpre ressaltar que me chamo Daniela Patricia e que só posso morar em afeto quente e largo. Aqui? pedaços inseparáveis de mim reencontrados, nomeados, afirmados e possíveis por e nesta revisitação.
Fotografia por olhos de encantamento de Guta Galli Texto de 13/02/07 (1° post do blog) e revisitado hoje 04/03/09, em tempos de lembranças e passagens.
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Um comentário:
lindo! da frestinha que vi, vi tudo isso!
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