Dia destes um segredo me alcançou a galope, vindo de olhos mareados e profundos. Ela contava sobre um tipo de morte, daquelas onde não se vela ou enterra, mas que funda um corpo:"há nascimentos que só são possíveis com um tanto de vulnerabilidade, que não é fraqueza".
Ando com isso, suspeitando de uma distração nascente, que nos encontros há um tipo de fala e escuta secreta no sentido e ignorante das cavidades em que toca. Menos pela privacidade ou intimidade de certos temas em algumas esquinas, já que é há uma porção delas que não comportam incertezas, e mais pela força que certas palavras têm de mover o passo enquanto circula no corpo - errância a deriva fundando horizonte.
Um arrepio na nuca, alguma poça embargando o olhar, uma beleza quase sem sentido, ao menos daqueles óbvios e prévios. Sei lá porque, apesar de mim, a escuta guarda este tipo de palavra. Talvez registro de algum ainda por vir no (des)contínuo dos afetos. Ai, como me abriga esta maciez, preciso de uma casa assim!
Gosto da delicadeza destes momentos, quando simplesmente ouço e confio aquém do meu saber, onde sou arremessada além das minhas (in)certezas, improviso do profundo - conhecido popular daquilo que é pele. Silencio-me com estes segredos, como quem acompanha a luz esboçando a semente, folha, sol-raiz, delírios de uma paisagem. Certifico-me das ausentes garantias e me abraça uma voz longínqua dizendo:"tú tá acontecendo, morena!".
Ando com isso, suspeitando de uma distração nascente, que nos encontros há um tipo de fala e escuta secreta no sentido e ignorante das cavidades em que toca. Menos pela privacidade ou intimidade de certos temas em algumas esquinas, já que é há uma porção delas que não comportam incertezas, e mais pela força que certas palavras têm de mover o passo enquanto circula no corpo - errância a deriva fundando horizonte.
Um arrepio na nuca, alguma poça embargando o olhar, uma beleza quase sem sentido, ao menos daqueles óbvios e prévios. Sei lá porque, apesar de mim, a escuta guarda este tipo de palavra. Talvez registro de algum ainda por vir no (des)contínuo dos afetos. Ai, como me abriga esta maciez, preciso de uma casa assim!
Gosto da delicadeza destes momentos, quando simplesmente ouço e confio aquém do meu saber, onde sou arremessada além das minhas (in)certezas, improviso do profundo - conhecido popular daquilo que é pele. Silencio-me com estes segredos, como quem acompanha a luz esboçando a semente, folha, sol-raiz, delírios de uma paisagem. Certifico-me das ausentes garantias e me abraça uma voz longínqua dizendo:"tú tá acontecendo, morena!".
Sempre na curva do provisório, inadequações sinuosas e torpes. Recentemente, retornei ao mar da adolescência, açude salgado de algumas passagens - esteio-maré de tantas vertigens. Revisitei serras, lugares, praças, amores, sorvetes, procurava algo novo. Olhei quatro vezes a cicatriz antiga no joelho, recontei sua história outras cinco, uma sensação de repetição adensando o ar. Pele esfolada não é doença e sim versos de rupturas nas errânças do que é destino. Nostalgia? farelos de lembrança, cacos desalinhados, me cortando como farpa no mo(vi)mento-recolhida de alguns passos na história, só que desta vez o trote dos pedais na bicicleta era quem des-fazia os caminhos.
Um reencontro. Os olhos mel-agateados, aquela mão que nem era bonita, mas que já foi toda minha, fala pausada de boca cheia, dura, de lábios pra fora, de sentimento pra dentro, vírgula no pensamento, reticências no abraço... tem um regato de vida que se desvenda mesmo é sem palavras, nem ouvia o ritmo da conversa misturado ao poente, não lembro o conteúdo. Algumas despedidas dispensam formas. Um sorriso roto, pendurado, olhares fugidios, uma morenice morna, menina, liberdade adestrada em surrados pacotes de promessas, "ócio criativo" embalsamado a beira mar. Na fuligem das lembranças um açoite, o que era saudade ameaçava tornar-se uma contabilidade afetiva, mas quem dava o troco era a lua das marés.
Há na vontade um limiar nem tão estreito assim, uma desacomodação inevitável, uma tensão vital e necessária. Quero de um vôo toda sorte de uma vida inteira, do intervalo do beijo a saliva inflamada dos dentes. Nesta hora tem uma febre, uma ira quase umbelical, primitiva senão fosse tão familiar. Tem no tempo gravidezes infindáveis que me varam, luaridades sem pai que desprezam a adoção do sossego... Quando a boca resseca, o olhar desvia e o ombro pesa, o corpo vira placenta, preciso ir-me senão me sobram palavras e me falta o ar, é hora de bolsa rompida, sem pará-medicos, ou fórceps. Regando este árido tem um torpor, uma tristeza que mal-diz por dentro, que me leva pedalando pra fora, um nascimento-dignidade de poder partir e uma secura, quase raiva que não consegue aceitar o amor co-habitar a mesma vida, junto ao despedir-me.
Face quente, suor e protetor solar se fazendo e secando na pele ardida. Vento denso no rosto - despedida arrebentando a paragem. O choro não vinha, nem que fosse por ódio. Como pode tanto mar diante das minhas entranhas ressequidas? Um nó na garganta - um aparto me grita: merda, nunca aprendi a me despedir!
Da lembrança de alguma beleza do passado, um arrebatamento, nasce a primeira gota, a segunda de um embevecimento largo ao cumprir o verso-lamento: sempre amando mais do que posso! Queria ainda uma terceira, quase uma sandice incrédula, como judas negando cristo - no terceiro não eu enterraria então os momentos vividos. Mas ela não veio, é que eu também nunca aprendi a abortar um amor, eles sempre morrem de alegrias vingadas, de tempo vencido, passado, de morte morrida mesmo.
Recontei-me a história das lágrimas. Lembrei dos meus desintendimentos acerca dos funerais. Um alento: eu não chorei no enterro do pai. Nem por orgulho ou força, é que nunca consegui irrigar chãos inférteis por tristeza. Tem forças de existências que só acontecem na aridez do solo partido. Fiquei a lembrar de rochas de sal, dos cactos e das lhamas no deserto. Quando um amor deixa de me irrigar, é como enterrar os ainda mais antigos e disso nasce uma resistência, pétalas e farpas - trincheira de desejo além. O si vomita as instruções de mundo, expurga vozes razoáveis, habita desacostumamentos.
Um rito funebre se desdobrava para além das minhas águas, só que desta vez no sal do mar. Aliás, como é bonito saber que ele acontece sem mim. Quando um enterro deste calibre me atravessa não é alguém que morre, mas um tempo de amor, um jeito de amar. Uma destruição que libera, o ar chegando nos poros, um sentimento de morte anunciando que o corpo já nem é mais o mesmo. Derrames de excessos, desentranho tatuagens, qualquer resquício de vida desmaiada, viro pequena, pedaços de afetos aos muitos.
Sentia uma corda, já não mais no pescoço e sim nos ares, fiando-se em meus pés, daquelas dos caminhos do céu. Iluminação? não! o caminho de traz não me cabe, os das alturas desconheço, e o horizonte, terra pra não despencar no abismo me acolhe. E as asas que ainda não me nasceram? Fragilidade? não, é vida nova como desejada e ansiada nos errantes pedais. Agora sigo sendo lâmina, recitando algo de raiz, de humano, de fêmea parindo na noite.
Na ladeira do peito tinha este outro caminhar, um molejo cansado, uma bicicleta e uma larga vereda de vida inteira a seguir... pedalava queixosa com as ausentes asas. Sempre imaginei que a liberdade era coisa alada - risco captura de se encerrar numa imagem. Desde antigamente na orla vejo-me pequena, é tanto imenso... o mar é tão bonito que vai, o ar é coisa tão livre que voa... Me recolhi na miudeza do respiro possível, atinei que não voava, mas pedalava, experimentava então as derivas nos caminhos de um chão-despedido. Não tenho asas, e sim pernas de percurso, de fazer indo nos longes. Às vezes um jeito de acreditar se parte na'gente, parece que é morte para sempre, mas se chamada de nova, a vida atende, não são cacos de um vitral e sim estilhaços na carne de um corpo vivo. Tristeza quando bate, também espirra, estranha.
Existir às vezes parece um monte de tropeços, cuidados prosseguidos... vida nova e contínua é coisa difícil de se fazer pedalando, experimentando na largueza das escolhas disso que é caminho. Sempre temi o encantamento do que parece nascente na ruína, porque aí tem um velho-atual derrame, jeito de estar que nem é razoável sem Uma história, nela interrogo os espaços e uma fissura me cede a derme - perplexidade abismal: fruto de excesso do que já não me cabe mais. Não se tratava de reincidência e sim de um corte no contínuo de um movente fluir. Lembrei daquele segredo do início do texto. Tem coisas que são tão delgadas que só nascem no vão de uma vulnerabilidade. Quando me pego em dor de poros esgarçados, é como num sonho de asas, dói, convulsiono nas víceras, dilato e quando percebo me encanto sendo menos. Tem um passo que parece que é rasgo na carne, posso chamá-lo de catástrofe, des-eixo, colapso, sofrer, mas se cuido das dores e o chamo de vivente, ele segue no horizonte.
Nos vocábulos e dispostos em geral, despedida diz da saudade de pessoa, coisa perdida ou desaparecida, "de um bem que se gozou"; separar-se, lançar-se de si, soltar, partir... Aqui, dizía-se de uma dobra-distância, espaço recém existente, infíndável (como crianças em anéis de saturno); Agora, abraço difícil de desazer-se, embaraçoso e delicado vínculo de uma delicadeza, improvável ir-se. É curioso, há anos ensaiava Um adeus me emprenhava desta carta, e os braços (asas?), a nudez da folha branca, de um processo ainda nascente me convidava ao assombro; des-idade, antecipação por me adiantar sempre, tantos anos a frente de cada hora. Desperdir-me é um estado sempre trêmulo, presente tripidante, silêncio grosso, intratável, que viola, antecedendo as des-horas vulneráveis de nascer. É uma espera longa, essa de grafar inteira.
Fiquei pensando que despedir-se é nascente, nome-fenda, alegoria vulnerável, água onde se mata a sede e a vida invade; uma gravidez dos tempos, gestação encontrada no limite-desordem disso que nos chamam de caule, corpo-combate, re-existência, invenção além de profundezas e precisas distâncias; chuva a semear o novo quando já nem mais espero o fruto peco; raíz calcada alavancando a existência que segue no (des)encontro. Escrevê-la aqui é feto embriagado, volvido inevitável daquilo que se chama partida; urdir os tempos na escrita é coisa de se fazer quando vai acontecendo.
Escrevi esta carta inteira no aro da roda, na brisa do sal, dentro do corpo, na vontade de lágrimas, nas margens do mar... Hoje era só tristeza, engolimento de voz trêmula, víceras tombadas na orla, nem havia papel, teclas ou letras e ainda sim entoava no ventre um desejo de escrever que NASCI e nascer as vezes é frio, é ar descolando os pulmões, deslocando a carne dentro, sopro pulsando na'gente... guardar as palavras dos olhos, acolhe-las no colo, do fora aos dedos, contar-se as vezes é aos (de) muitos é como um derrame de dobras parido de si.
nenhum outro agosto, é fevereiro de 2009 mesmo.
2 comentários:
...Só consigo comentar do lado de dentro... Um beijo. kely
Levarei o primeiro macacãozinha amarelinho e também sapatinhos de crochê.
E vamos festejar a vida, minha morena.
Obs: assim como você, desperdir-se é uma alquimia que não domino.
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