sábado, 5 de abril de 2008

Do encontro com My Blueberry Nights

Confesso: é forte meu modo de afirmar, mas foi esta mesma torrente que me passou ao assistir My Blueberry Night (um beijo roubado), filme forte e delicado, pura vida arrastando tudo, pedindo passagem com suavidade. Sensível, não estrangula um desejo, cuida e o encaminha para habitares possíveis. Um umbigo fraturado foi o pretexto, a nascente de muitos porvires e não pela (i)relevância das dores de uma alma, mas porque dele se funda uma vida, nele acontece o primeiro de muitos cortes - convites para um início, um estar mais intenso, generoso em cuidados consigo e com os próximos umbigos; mais extenso, pois ele pode ser a brecha esgarçada que intima o pulmão a se abrir e respirar a vida, porque só assim é possível com ela se deleitar.
No filme o cuidado não é dependência, ou palavra boa de se escrever em caderno que se fecha para o viver, para verbo sem corpo; não é privilégio de gente fraterna, nem artigo da ditadura do amar, na vida-a-vida é verso ausente em poema de umbigo, exceto pelas tragédias do não saber fazê-lo; sobre todas as coisas é faculdade aprendida no percurso do estar junto, que dispensa os protocolos do "bom mocismo", procedimentos e limites acépticos. Pode ser um amor, uma chave, um homem, uma ida, um baralho, uma mulher, uma partida, uma torta, certa, errada, comida, desde que se mova, que fale de um corpo vivo. O modo de cuidar se inventa no caminho, nas errãnças, no contato, no improviso: fruto prórpio da experiência e de suas inevitáveis variações, pois o desejo de estar e de mudar é o que move e enreda. Uma linda metáfora para o feminino e para o amor, desloca a dor feminina dos manuais de auto-ajuda (fundado numa tal praça, com queimas de sutiãns e discurso valente, que também inaugurou uma outra clausura: solidão como grande iluminação de independência e fez desta uma outra ditadura), da categoria de auto-piedade, onde uma separação representa um sofrimento moral, de menor amor próprio; desvia o olhar para o amor como miséria sem cuidado, refém de um corpo errante em escolhas, da masmorra de frustrados lirismos românticos.
É possível que o amor seja o personagem central, pois sutilmente ele muda tudo de lugar: a vida, os (des) encontros, a produção de distâncias e modos de acompanhar Seres Viventes ganha corpo pleno de existir, dignificando o demasiado humano e o cotidiano , produzindo outros respiros - amores possíveis. Despedir-me em carne foi sempre um jeito de não me repetir na permanência, as vezes porque os encontros esgotaram, esgarçaram, outras, porque ele só aconteceu na despedida. Ir-me foi o desejo-movimento que ficou com as luzes acesas, créditos subindo, fosse sem asas, ou de rodinhas, gosto de subir a rua Augusta de peito tocado e aberto, sal nos olhos, com o tempo na face, alma vagabunda, corpo assombrado e estremecido, porque a vida é lugar muito largo para se permanecer longínqua, inerte, ausente, fugida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida...o compartilhar do teu encontro com "my blueberry nights" fez eu repensar o meu... adorei!! sim... a vida esgarçada, ou melhor, esgarçando, pode nos trazer tantos presentes... Agardeço por dividir comigo mais um momento/encontro intenso, vivo, pulsante de vida!
Pati