Aproveite e cure a última ferida
E nunca mais solidão
Solidão
Acordou de madrugada
Com o coração
Já pensando em batucada
Você pulsando
E eu batendo no meu tamborim
Qualquer refrão perdido
Que diz que a dor sempre tem fim
Porque
Essa é a última solidão da sua vida
Aproveite e cure a última ferida
E nunca mais solidão
Solidão aqui não é alternativa ao romantismo naufragado, mas a única escolha da qual não escapamos ilesos no íntimo dos encontros, nos descompassos dos ritmos, nas agendas apertadas, das pessoas que escorrem no metrô, no aperto pseudo-desapercebido do ônibus, dos corpos que se esbarram sem se encontrar, dos que encontram sem se tocar, dos que doem na falta de toque, dos que aprofundam e temem a potência, dos que tocam e não aguentam, dos que se sentem ligeiros escapando, daqueles já aniquilados - saudosos do que move, dos que se deslocam e não se movimentam no automatismo urbano, dos que acham que vertigem é crise e que crise tem que curar.
Dia destes ouvi numa filosofia que o corpo em crise, é aquele que toca o fundo, imaginem só que podemos relar no profundo sem o toque do telefone a pertubar, o do despertador na hora de acordar, das regras do bom senso, dos que melam as mãos e fingem indiferença. Até parece que podemos cair sem chamar de loucura, doer de existir no combate hora-a-hora sem ser chamado de covarde, suicída por habitar o momento. Não! o corpo contemporâneo é miúdo, se enfraquece na urgência da cura pro desassossego, reclama das forças do (des) encontro, rogando por não encontra-las, faz da solidão ditadura-resposta ao insustentável do vibrar no contato, tranforma suavidade em fraqueza; este mesmo corpo é o que coloca o homem sempre aquém das tuas forças, num combate com um corpo indigno do que sente, pequeno diante do que é vivo e largo diante da morte, que nestas condições já o acomete por doença de nome sobrevida.
Já o fiz em demasia, não quero prestar concursos, acelerar o passo, rodar nas horas, percorrer oeste - sul em uma linha, planejar uma vida inteira diante de tantas horas - pre-ocupação não me cabe; recuso sentir que posso, pelo que sei, desconheço meu tamanho; eu não risco os calendários, menos por respeito as oficialidades e mais por indiferença; não quero que a lista de tarefas diárias me trague na fulgacidade dos encontros, que o medo da partida antecipe a despedida, que o futuro improvável me roube do agora; não sei desgraçar o que me faz nascer o riso, mesmo que na dianteira se inaugure numa dor; não posso fingir indiferença ou fraqueza de carne quando o outro (pode ser sujeito indefinido) me faz vibrar, menos ainda abortar um amor, porque é Uma Vida; nem por demagogia ou passionalidade, mas é que só na diferença e na variação dos timbres que me sinto viva.
Minha casa é miuda, ou como preferem os mais generosos, um loft, meu corpo é delgado e meus desejos, teoricamente maiores do que poderiam caber nesta vida. Sabe o que é? é caso de vida compacta, jamais contábil, quero economizar na esterelidade da verborragia, que recalca desejos pra engordar os possíveis dos encontros no meu corpo. Vida é coisa de cada um fazer do jeito que pode, no passo que dá, diminuindo distâncias e abolindo as faltas. Aí sim está uma vida que me cabe. Solitário é o tom que cada um se destina para desenhar a propria vida, ainda que na ilusão de controle, no meu caso, quero uma vida que caiba mais de uma pessoa, múltiplos caminhos.
Vamos nos despir das categorias e desinvestir a vida do que a estrangula, não se trata de buscar o cais, menos do que lugar, um norte, sustentar o corpo, barco-tempo em mares contemporâneos, de derivas angustiantes, de caos, onde o que é sólido pode se desmanchar no ar e não ser efêmero, não se finda sem olhos dizendo ao telefone: hoje não posso. Ando cansada da exaustão juvenil, exaurida das idades que me percorrem. Não se trata de fulgacidade, de uma imortalidade dos afetos, mas que eles possam ser livres e (e)ternos enquanto durem, criando movimentos, repetindo até se diferenciar - invisibilidades sustentado o caos que o produz, vínculos e lastros, que me contem dos possíveis, que reafirme que não sou homogenea na verdade dos olhos, desejos galopando, não quero discursos anitgos maquiados de rouge moderno, amores palatáveis na embalagem descartável dos excessos, doçura que se esvai na velocidade dos dias, que se aperta na correria dos tempos; não sou fácil, nem original, porque mais do que paz quero vida pulsante - embreagada de desejo. Eu sou eu e mais tudo que me passa: vidas recriando a existência.
Escrevo estes delírios a partir do que meu corpo sente, pois é o único lugar do qual posso falar sem moralizar ou imaginar, é só experimentação. Dias destes também ouvi um mago de des-horas pedindo disponibilidade de corpos para os carinhos da vida. Deixemos então que as intensidades nos passem, que a expressão não tenha certidão de propriedade (meu, teu, nosso). Que venham as vertigens, os abraços, a poeira da miséria, aquilo que parte, os sustos de alegria, os destroços das ruínas - matéria prima de outros por vires, e até a morte no seu dia. Descobri agora que o afã de viver me liberta do medo de morrer, pois não sou sozinha. Encerro esta escrita oferendando Sindia, companheira na avidez de existir: *"E a gente nem se deixa inaugurar para saber se há espaço para tanto advérbio(...) nunca, jamais"; abuso ainda ao dizer que quero um corpo que sustente cada força e encontro que inventar, porque eu também sou ele e se algo o atravessa, jamais é por medo, fraqueza, ou falta de espaço. Ninguém conta minhas regras, menos do que liberdade, é atrevimento e desobediência do acaso que as esboçam, inaugurando desejos. É uma suavidade, como a vida gosta, peito aberto para as inevitáveis mutações de planos, compartir o privado, diluir a autoria, o outro não é inimigo antagônico dos meus projetos, é Jonnatas, Izabel, Patricia's, Cida, Rafael, Dora, Scheila, Marareth, Marilza, Daniela, mais os anônimos e ausentes que me encontram por nome: Parceria vida afora - apelido: Confiança na Existência e sobrenome: Multidão em Mim. Que os encontros possam redesenhar as mentiras prometidas nas palavras me fazendo outra a cada instante de solidão. Saravá!!!
Música de Paulinho Moska - É a Última Solidão da Sua Vida
*Tessituras de diálogos, criado, proferido e ofertado por Sindia Santos (para acessar o blog click aqui)
Um comentário:
Saravá!!! Uma escrita precisa, rigorosa e delicada. Fidelidade às sensações e percepções. Diante do caminho que vislumbra a autenticidade... Saravá!!!
beijo,
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