quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Medo: polifonias fronteriças

[Medo de aproximar e distanciar, de sair tão apressada para os encontros e não me levar; de ser tragada como se fosse inconsistente, de dar as mãos como se fosse amiga, de sair como se fosse livre; medo de me roubar, me barganhando a ausência do outro, por pura carência; das variações que sinto quando me percebo outra, várias mulheres fruto do encontro das vozes que tecem a história do feminino, um pouco de nós por dia; medo de anunciar pelo outro; de denunciar minhas fraudes; de delatar minhas farças; de me atropelar na gramática; de me ultrapassar numa pseudo maturidade e ter de me esperar chegar por anos; de que as respostas sejam mais rápidas que o caminho; da doçura dos encontros; de ser só; da potência tateada de leve num ENTRE; de só ser e esquecer de só estar; de me recolher como se fosse possível; de me esparramar como se fosse grossa, de sair e perceber que um desejo não se traí; de me encantar com os possíveis dos escombros; medo de desejar permanecer; medo de perecer ou de me equivocar na medida de mim; o de ficar somente pairando, ou de entrar e chafurdar no atoleiro, o de me misturar, o de limitar antes da borda; medo de tocar e quebrar e talvez o maior de todos: o de não sentir medo do medo, que se abreviou na coragem de poder anunciar tudo isso.]

Coragem não é ausência de temor, é autorizar que ambos habitem a mesma casa. Linha bamba do naufrágio das esperanças, lugar onde posso falir, onde deito minhas tristezas, teço alegrias, descanso os cabelos, miragino realidades e invento encontros. O medo é também habitado por (in) verdades que engravidam os tempos, escrevê-lo é acolher o que também me move.

Finalizo esta coragem com o sorriso-asa, daquele que acolhe o medo como pedaço primeiro de uma ousadia:

"Nós, humanos, somos estranhas criaturas: gostamos de ter medo. Escalamos montanhas, pendurados nos abismos; lançamo-nos no espaço vazio, confiados em frágeis asas; mergulhamos nas funduras do mar, cercados de perigos. Assim também as viagens - para serem mais do que deslocamentos banais no espaço têm de ser saltos no desconhecido, com todos os seus calafrios. A menina não podia voar porque não tinha asas no corpo. E não tinha asas na alma. As asas da alma se chamam coragem. Coragem não é a ausência do medo. É lançar-se, a despeito do medo (...) Não notou que algo estranho estava acontecendo: começaram a crescer asas nas suas costas. Não asas de pássaro. Ninguém é igual. Delicadas asas de borboletas (...)"*



[...] trecho de polifonias fronteiriças compartido com o coletivo Clínica: uma obra aberta

* Ousadias passarinheiras por Rubem Alves

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