sexta-feira, 22 de maio de 2009

vinte e oito

Sol em vênus, corpo ainda descabido nos tempos que anuncia a ascendência em libra, destempero dos ventos, foi uma idade anunciando a fresca juventude.

Sempre gostei de ouvir a música das tantas páginas de um livro viradas ao mesmo tempo numa sala. Leitura junta de um pedaço da história. Diferentes corpos ocupando alguma hora, dedos em cima de um mesmo número. Um coro de respiro compartilhando o mundo.

É esquisito pensar que um amor, uma vida se nasce também assim. Instantes de encontro que não é mistura: um enorme, dolorido, vívido, que se arranca de si, partilha do mais, e sem delongas ou promessas, acontece.

Diziam que só uma vida poderia vingar bacia e clavícola fraturadas. Ele queria um fruto, árvore-semente, menina a contar do seco e doce do sertão, vontade de insistir. Mariana ou Jonas eram as possibilidades que atravessavam as belezas do nome. Verde e azul eram os panos de aguardar o que ainda viria em poros, cacos, forças e alambrados.

É em carne estreita que desço engasgando, escorrego e páro, já querendo atrasar, esticar os tempos, corte no ventre de quase quarenta semanas, descolagem de pulmões, violenta passagem ao frio da obstetrícia anunciando das densas travessias do fora.

Daniela Patricia nasci, sem combinados ou previdência, maré sem previsão, florência ausente de temporada, combinações fora de regra pra alegria farta do leite. Passo engendrando invisibilidades, pedindo que não me olhem, pois um jeito de ver pode restituir de uma vida por todas.

Uma inclinação a sonho, desvios pro onírico, noites sem sono, berço de angústias, braço que nasce é no carinho, sorrisos apequeando os olhos pra não miserar o vivo, colo de jorragens, peles se refazendo vida a vida, peito que escorre aos muitos nas paragens do trajeto. Ai... como a gente se faz é no caminho do que é (des) encontro. Dançava com os ausentes irmãos. Chorava só o desentendimento das horas, daquelas que não cabem nas contagens; e os amigos? parteiros de frágeis asas humanas, cirandas antecipando os mistérios de ser.

Por poucos me criei multidões de alguns, solidões de vasto descabimento. Corpo de mulher no ventre de criança. Menina emulherescendo sem aflorar em fibras. Desfiar as horas além dos sabidos projetos me fez carne, janelas, colo, abraço aflito, varanda no poente, seios crescidos no gosto do silêncio, ventre alimentado tragando o véu da noite. Enquanto lembro do piano canto e invento: "vai o bicho homem fruto da semente.... (memória)...renascer da própria força, própria luz e fé... entender que tudo é nosso e sempre esteve em nós... (história).... somos a semente, ato, mente, voz... (magia)... "

Dos vinte e oito sem perceber me contaram hoje, idade importante pros astros. No embargo do desgosto nem brindei escorpião. É que tem nascênças que principia na dor mesmo, algo se aparta pro novo então parir.

Ele morreu cheio de orgulhos nascentes, um durante o outro, primeiro os passos, palavras golfadas aos tropeços, depois os estudos, que me faria independente e feliz no amor; alguma aposta fortuita no que se pode ser retomava a confiança no elo, na vida. Ela ainda nos cria, com gosto de jardineira enrubrecida, pele macia e benção na despedida, exata medida do excesso no sabor do fruto, de sempre amar tudo que pode.

Tem aqui uma menina que assombra no invisível da noite; que morre aos pedaços no duro do que é impermeável; que se arrebata com o frescor daquilo que é agora, silêncio da manhã; tem um susto com o grave da voz, do que hora se chama de amor partido, interrompido sem ter aprendido a liberdade.

Depois de me intranquilizar com o tremor dos vivos afetos, violência sentida, tripidando as cadeiras ela me ofereceu o regaço do pequeno, imenso corpo à nascente-olhos-de-sal. Viver é de se fazer aos muitos.

Ainda não tinha afirmado aqui que aos vinte e oito também se nasce. Da cena ficou estampada a ternura na camisa do teu peito, marca de duas pálpebebras amparadas no desassossego do que é vida emparceirada. Pensava que reticências era só o inconcluso do que não se sabe dizer, arrasto do provisório; nisso um outro se inventa: são três pontos finais que se (re)afirmam na escrita do encontro. Só do fim se cria o novo! juventudes são idades morridas pras mais novas se aninharem. Violento aconchego este de saber que nada se segue só.

Agradeço pequena, sem pedidos, como quem vira a tal página, suspiro grande de quem sente o mundo junto. Gosto deste tom alegre de flor, legado que é pele, errância do que é corpo na deriva das apostas. Surdino desejo de que possamos; afinal o que muda o destino senão um encontro - afirmação de algumas escolhas? Avessos estendem-me das mãos aos medos, abandonos prosseguidos de cuidado, dizendo e acolhendo assim: viver também é maré forte, densa, grande, comprida, navegável, possível somente no enlace.
Essa idade me passou como travessias de silêncio - vinte e oito carrega em si um mar de tempos, presenças, todos os acordes e possibilidades de melodias. Quieta me escapam quatro palavras: Gracias a la vida!
09/05/2009

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