sexta-feira, 27 de abril de 2012

Vídeo-ensaio em ecologia urbana

Trabalho presentado no seminário corpocidade-UFBA/2012






Vídeo-ensaio em ecologia urbana:
políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde

Daniela Patricia dos Santos
Priscila Tamis

Apostando em uma poética-procedimento e na indissociabilidade entre os conceitos e experiências como produtores de cultura, investimos na criação de um vídeo-ensaio em ecologia urbana, que sonda as políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde.
Enquanto cartógrafas-psicólogas-pesquisadoras criamos uma metodologia que possibilita a construção de uma narrativa audiovisual e escrita, tecida de fragmentos das respectivas experiências profissionais. Do deslocamento de olhares destes corpos transitantes com outros corpos transitantes encharcados de histórias, possibilidades, afetos e transversalidades. Encontros que anunciam suas inquietações e pensamentos com a cidade a partir da produção das sonoridades urbanas; das ecologias vivíveis nos diferentes espaços; das produções de si e do outro no encontro psicoterapêutico e nos inusitados da disponibilidade vida afora; da criação literária e fantástica entre concretos, avenidas e afetos; dos roteiros, desroteiros e imagens fundados no cotidiano. Como é andar pela cidade com essa força erótica, esse apetite, essa ampliação da vontade, esses muitos e esse cansaço?
Neste caminhar, a captação de imagens se dá como desembaraçadora das linhas dos processos de criação – linhas de visibilidade, de enunciação, de força, de subjetivação. Deleuze nos conta que é preciso extrair das coisas as suas visibilidades e invisibilidades. É essa atenção que nos acompanhou, engravidando o olhar mesmo quando não havia câmera. Corpos nas ruas, câmeras na mão, dias de muito trabalho e noites de pouco sono. A partir de encontros com pessoas queridas e outras desconhecidas disparamos conversações e partilhamos ranhuras de olhares atentos para a cidade. Processos que, além ou aquém da imagem, inauguraram movimentações, co-moção, desvios, mudanças de rotas, novos desejos e reafirmações das sutilezas do vivido. Matéria-prima para produção de um discurso que se esboça a partir da experiência, redobrando-se sobre a própria fragilidade.
Corpos anônimos dançantes; passantes desconhecidos. Estação da Luz; dia do graffiti no Bixiga; discussões e afagos no buteco da praça Roosevelt; parque da Água Branca; praça Pôr-do-Sol; cafés, vinhos e jantas acalorando as produções; avenida Paulista; metrô Sé; piano e risadas em público; praça e avenida 13 de Maio; casinhas aconchegantes; Centro Cultural Vergueiro; telefonemas no meio da noite contando o que alguns tempos e espaços não possibilitaram. E a pergunta-amolação que não cala: “não existe amor em SP”?
A aprendizagem de edição de um vídeo-ensaio é a continuidade de um processo de afinação e deslocamento do olhar e da escuta, para tudo que está vivo e disposto ao sensível-disponível dos corpos no espaço. Discursos que se desfazem, imagens que se desviam e temas que se repetem, entoando a fala e o pensamento.
Cidade, risco, dificuldade, saúde, heterogêneo, subjetividades, criação, encontro, trajeto, caos, disponibilidade, vida, atenção, relação, cotidiano, corpo, parceria, conexão e cidade.
Todo o percurso técnico, cenas, relatos e imagens captados, partilhados e conectados compõem uma política da narratividade, que busca afirmar a vida e aprimorar as perguntas, antes de tentar qualquer resposta. Como contamos nossas histórias, nossas relações e produções em saúde? Como nos posicionamos em relação ao que contamos? Nossas narratividades não estão desarticuladas das políticas em jogo – políticas de saúde, políticas de pesquisa, políticas das subjetividades. Como estamos sendo provocados em nossos encontros? De que saúde falamos e qual vida afirmamos?
A produção de um vídeo-ensaio como método cartográfico diz da criação e travessia de uma linguagem complexa, de uma abertura essencial de si, desejando o desconhecido, a incerteza e dissolução do ponto de vista. Uma poética-procedimento do equilíbrio no incerto, da desnaturalização dos acontecimentos, que possibilita novas configurações e apreensões desse imenso que pode ser um corpocidade, distendendo-o, dobrando-o, amassando-o.  
A cartografia como uma inscrição provisória no tempo admite arranjos e desarranjos constantes, o não saber, a intervenção sem garantias. A captação de imagens e edição, enquanto processo cartográfico, nos convoca a percorrer os espaços de ruptura, desaprender os já estabelecidos, aguçar as sensações, atentar-se aos detalhes, abrir o corpo, tornando-o passagem das vozes do mundo. O método vai se arranjando e rearranjando no acompanhamento dos movimentos das subjetividades, das saúdes existentes e dos territórios.
Saúde que não é só cura ou ausência de doenças, mas produção e afirmação de vida e diferenças. Subjetividades que são constantemente as possibilidades de diferir-se, a invenção e criação de si, do mundo, de mundos no mundo.
Um corpo que se inscreve numa ecologia urbana dos afetos. Uma saúde que se recria enquanto conceito e possibilidade de existência viva, ultrapassando os limites dos consultórios e settings, derramando-se nas ruas, metrôs, trens, ônibus e praças. Ampliamos assim, nossas práticas e cuidados na relação com tudo o mais que atravessou nosso caminho, fazendo saúde pública a partir de relações micropolíticas com a cidade. E da força-intempestiva e delicadeza-abrigo forjadas em cada encontro, tecemos uma clínica ampliada da arte.

A abertura de inscrição para os diálogos junto ao laboratório CORPOCIDADE acerca de metodologias de apreensão de experiência da cidade se apresentou, enfim, como um convite para a criação do vídeo-ensaio em ecologia urbana e imbricações em políticas narrativas e problematizações no fluxo corpo-cidade-saúde. Aqui, pensamos de maneira relacional saúde e subjetividades, através de uma tentativa cartográfica dos conceitos na vida. Ousamos esta narrativa tendo como referência as próprias práticas e as práticas e discursos de amigos e parceiros de trabalho e estudos. Este é o intento de uma narrativa dos atravessamentos, da transversalidade dos conceitos, das práticas por vezes acolhedoras, por vezes violentas: o movimento de uma abertura comunicacional.

Como nos conta o poeta João do Rio,
Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. É fatigante o exercício?



3 comentários:

Paulo Betencourt disse...

Compor juntos, recriar, deixar passar um tempo puro, o do cacontecimento, o do vivido...assim são as afecçoes dos corpos na cidade..corpos vivos..corpos inertes, mas com vida...com memória....sons, cores e cheiros que nos afectam e nos fazem instaurar devires....tempos difusos..corte e perfurações no cotidiano de nossas vidas, assim pode-se reiventar novos jeitos e possibilidades de estar, de passar; um rastro de vida....e já não somos mais os mesmos, o espaço também não e todo e qualquer que souber ou diria roubar destes microacontecimentos a vida que pulsa...adorei o video e as reflexões sobre o trabalho.

Daniela Patricia dos Santos disse...

Paulo querido. Isso que se fez junto, nem adiante ou depois, mas com e sob o corpocidade é o que se e nos leva. Pequenos e aos muitos, fragmentos nascidos da experiência são os lastros a fortalecer, reiterar os dias e nossos afetos transitantes. Um passo a frente, um atrevimento se cumpre e o corpo e a cidade já nem são mais os mesmos. e(n)ternecida com a nova parceria.

Adriana Domingues disse...

Dani querida,
Acabei de assistir seu video-experimentação e fui completamente atravessada pelas imagens e narrativas. É a cidade que invade o corpo ou é o corpo que invade a cidade? Acho que estar na cidade é sempre invadir o espaço do outro e, ao mesmo tempo, sempre ser invadido por ele. É impossível não produzir encontros, bons ou maus; é impossível não se anestesiar diante de tantos afetos e fluxos do mundo sendo produzidos e circulando por todos os lados.
Adorei a composição das imagens, músicas e narrativas. Dá vontade de extrair, de cada cena, uma série de outras narrativas.
Por que vc não aproveita toda sua potência criativa e sensível e faz um curso de documentário para explodí-la ao máximo?
um beijo grande, Adriana
E