sábado, 26 de janeiro de 2008

Escrever é emeninar: Deixar crescer as asas da infância

"'Uma mão relampeja na casa da escrita. Faísca Troveja. Procura um claro instante para a aparição. Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel, deitada do seu lado ou do seu modo rastejante, pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras, a sua rasante arrumação, e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem, rítmica, latejante ou um nervo animal que faz lembrar a textura pedestre do papel. Mas a mão voa, explosiva, e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica. Voar é um fervoroso recolhimento. E no que é quase a medida elementar do esquecimento a escrita navega num estuário de silêncio. Escrever é uma droga antiga, uma bebedeira que queima com lentidão a cabeça, traz as luzes desde as vísceras, o sangue a ferver nas vias tubulantes, traz a natureza estimulante das paisagens que temos dentro.' ... Ocorre-me agora a pupila minúscula de uma criança. A sua engenharia desde o corpo na guerreira pequenez ao dedo provador da boca. Ocorre-me esta criança este monge da franqueza em seu templo de inocência. Amo-a. Vivo-a. Voar é poder amar uma criança. Sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes sobre a palma da alma. Voar é tardar a boca na rosa do rosto de uma criança. Pronunciar-lhe a ternura, a seda fresca e pura da sua infância. Voar é adormecer o homem na mão sonhadora de uma criança."
Poemas da Ciência de Voar por Eduardo White
Foto de Jan Von Holleben da série Dreams of Flying

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